Os Velhos
“Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final.
Os mais velhos têm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
não menos de 50 — enorm’idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proíbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal? […]
Carlos Drummond de Andrade, in ‘Boitempo’ roubado
ao citador
Hoje, na CMTV: velhos que estão num lar ao cuidado da Santa Casa, atacados por gastroenterite, palavras que arrepiam por parte do responsável… ele próprio pensando que não é velho… dizendo algo que soa a desprezo, afirmando que são velhos, é normal não é intoxicação alimentar, mas foram 20 para o hospital por decisão externa ao lar ( honra lhe seja feita quem quer que tenha sido, digo eu).
Homem morre em incêndio em casa, cai-lhe o telhado em cima, velho, sozinho, alguém reparou que faltava o telhado ao casebre onde vivia. Alguém obviamente idoso ou idosa, sabia quem lá vivia. Mas é idoso, já nem dizem homem nem mulher ,em muitos casos, passaram apenas a ser idosos, outro nível de ser mulher ou homem (nos tempos que correm , nível obviamente inferior).
O fogo de 2017 , para além de despir as montanhas e vales, pôs a nu muita miséria que andava escondida nos montes, vimos as casas onde muitos portugueses ainda viviam, ou vivem, casas que nenhuma seguradora alguma vez seguraria. Teriam o luxo da eletricidade? Da água? Teriam casa de banho? Nem dá para perceber , depois dos incêndios ficam as paredes de pedra e escombros. Mas que interessa? São velhos, agora irão ficar onde foram acolhidos…ou não, se ainda tiverem forças para perguntar se não têm também direito à reconstrução da casita (ou alguém que os ajude nessa diligência).
Um país que envelhece habituando-se a estas notícias, gente como eu , sentindo-se muito jovem mas não o sendo, num instante seremos os “idosos”…. já faltou muito mais, só achamos que não somos desses miseráveis que aparecem nas notícias, até escrevemos em blogues :-). Não, nunca seremos idosos… nós seremos sempre os “meninos”… Chamaria a isto soberba um dos sete pecados mortais , para quem não sabe nem nunca soube nem viu o “Seven”. Não é isto que transparece no poema? Pois não será, porém a soberba é dupla e também vamos achando que há muita gente que ainda cheira aos cueiros a botar opinião….
A velhice perdeu estatuto , já quase ninguém se lembra de sabedoria quando pensa em velhice e cada vez se aceita como normal um óbito aos oitenta mesmo se claramente evitável. A velhice é mais conotada com iliteracia sobretudo a digital, com demência , sobretudo a do alemão… e mais um instante e ninguém nos leva a sério, já faltou mais, muito mais, mas nós escrevemos em blogues, somos da classe média , por isso, nada disto nos diz respeito…
O que me deu para escrever estas coisas que soam a repetidas , que já são conhecidas de todos, lugares comuns, todos sabemos que é triste, mas que se há-de fazer , é a vida… pensarão alguns. Que me deu? Estou apenas a ficar como o caro leitor: velha.